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Quatro meses de gestão: Ilhéus tenta se reerguer com freio de mão puxado

Editorial:
Prof; Emerson Silva

Quatro meses se passaram desde que Valderico Júnior assumiu oficialmente o comando da Prefeitura de Ilhéus. Para marcar o início dessa caminhada administrativa, o prefeito convocou uma coletiva de imprensa — cercado de seus secretários — e apresentou um retrato duro, às vezes dramático, da realidade que encontrou. Entre números alarmantes e promessas de reconstrução, a gestão ensaia seus primeiros passos como quem tenta correr com o freio de mão puxado: o discurso é de movimento, mas os obstáculos parecem sempre à frente.

A dívida do município é o elefante no auditório: R$ 929 milhões. Uma cifra que não surgiu da noite para o dia, nem é herança de um único governo. Trata-se de uma bola de neve fiscal que foi crescendo ao longo das últimas décadas, alimentada por sucessivas administrações. E agora, como bem resumiu o prefeito, nem desligando toda a prefeitura por um ano e meio seria possível quitar o montante. O que resta é tentar gerir com criatividade o que sobrou — e não é muito.

Em meio à crise, o prefeito tem apostado no discurso do diálogo. Insiste que “esse não é um governo meu, é um governo por Ilhéus”. A frase, bonita para os ouvidos, tenta dividir responsabilidades entre secretários, servidores e até a população. Mas ainda falta combinar com os governos Estadual e Federal, cujos apoios institucionais têm sido mais escassos que iluminação na ponte Jorge Amado — que, aliás, passou a ser bancada pela própria prefeitura. “Quem paga a conta é o povo”, lembrou Valderico. Verdade. E, por enquanto, é o povo que também segue esperando soluções.

Na Saúde, a secretária Sonilda Mello descreveu um cenário que mistura improviso e sobrevivência. O SAMU funcionava sem seu número de emergência e com ambulâncias sucateadas, sem emplacamento e sem seguro. O retrato é claro: um sistema que opera na base da boa vontade. “É como trocar o pneu com o carro em movimento”, disse a secretária. O problema é que, em alguns setores, nem pneu tem.
A Educação também não escapou do quadro desolador. Escolas sem mobiliário, alunos realocados, estruturas precárias. O ano letivo começou com 93% das unidades em funcionamento, o que, considerando as circunstâncias, pode ser visto como uma vitória — ou, no mínimo, uma teimosia institucional em não deixar a máquina parar de vez.

Mas foi no tema do bem-estar animal que a coletiva ganhou contornos mais… espinhosos. A secretária de Saúde afirmou que a UVZ (Unidade de Vigilância de Zoonoses) não é responsável por castrações e resgates de animais abandonados, conforme nova diretriz técnica. A declaração caiu como uma patada — não de gato ou cachorro, mas de indignação — entre protetores e ONGs como a Planeta dos Bichos. A ironia é que, enquanto os cães e gatos continuam se multiplicando nas ruas, a prefeitura parece preferir multiplicar justificativas. Ainda que a Nota Técnica nº 13/2024 oriente uma mudança de foco, a Lei Municipal nº 3.257/2006 aponta outra direção. No fim, a responsabilidade segue circulando — como os próprios animais nas calçadas.

O governo acerta ao promover transparência, convocar a imprensa e admitir suas dificuldades. Há, sem dúvida, uma disposição em não esconder a sujeira debaixo do tapete — mesmo que o tapete, neste caso, esteja furado, puído e mal estendido. A proposta de leiloar parte da frota municipal é exemplo de uma gestão que tenta cortar na própria carne. E cortar dói. Mas, diante da magnitude dos desafios, cada medida soa como um balde d’água em um incêndio de proporções históricas.

Ilhéus, mais uma vez, se vê diante da missão de reconstruir. E não se trata apenas de estruturas físicas, mas de um pacto institucional com a cidade. Os problemas são antigos, não têm partido nem data de nascimento e não serão resolvidos com discursos. A atual gestão tem o dever de agir. E de agir com mais praticidade — menos jogo de cena e mais entrega. A população, que há anos paga a conta, merece mais do que promessas recicladas e explicações técnicas. Merece soluções.