Ilhéus
Pão, espetáculo e consentimento silencioso
Por Emerson Silva

Desde os tempos da Roma antiga, a política aprendeu que o controle social não se faz apenas com decretos ou força — mas também com distrações bem calibradas. À multidão, pão e entretenimento. Aos bastidores, decisões que moldam o presente e sequestram o futuro. É curioso perceber como, mesmo após tantos séculos, a fórmula segue eficaz, apenas disfarçada em novos moldes e sotaques locais.
As arenas ainda existem, embora com estruturas modernas, luzes vibrantes e discursos ensaiados. Os aplausos, agora amplificados pelas redes, seguem como parte do enredo. E o pão — em menor quantidade — continua sendo distribuído de forma estratégica, quase simbólica. A sensação de pertencimento é produzida, muitas vezes, não pela participação cidadã, mas pela presença nos eventos, pelo aceno distante das autoridades, pela imagem cuidadosamente registrada para circular.
Mas há um ponto que precisa ser bem ponderado: eventos públicos têm, sim, seu papel. São importantes para o fortalecimento da identidade cultural, para o estímulo à economia local e para gerar um senso de comunidade que, em tempos fragmentados, faz falta. Celebrar também é parte da vida pública. O problema não está nas festas, mas quando elas se tornam substitutas da política — quando o brilho da ocasião tenta esconder a escuridão dos problemas que permanecem longe dos holofotes.
Há, muitas vezes, uma troca silenciosa: celebra-se, portanto, aceita-se. A festa passa a ser, para alguns, sinal de que tudo vai bem. E isso reduz a política a um calendário de entregas pontuais, de gestos performáticos, enquanto as decisões mais relevantes continuam sendo tomadas longe da atenção pública.
Mais ainda: surpreende que, diante de tanta repetição histórica, se reproduza também o comportamento passivo. Há uma recusa, por parte de muitos, em se envolver, em se posicionar, em disputar os rumos da cidade — ou do país. A política, que deveria ser um exercício diário de corresponsabilidade, vai sendo tratada como algo que “não é para todos”. E assim, entre um evento e outro, seguem as decisões silenciosas que realmente moldam a vida comum.
Não se trata, portanto, de condenar a cultura da festa — longe disso. Ela é valiosa e necessária. Mas é preciso lembrar que ela não substitui o dever cívico. Que o encantamento coletivo não pode adormecer a consciência crítica. A beleza da fachada, por mais legítima que seja, não anula as rachaduras das paredes.
A verdadeira transformação política não virá de cima, nem dos palanques improvisados. Ela começa quando a sociedade troca o papel de espectadora pelo de agente. Quando o entusiasmo pela celebração caminhar lado a lado com o compromisso pela mudança, talvez a história mude finalmente de rumo. Até lá, o espetáculo continua — e segue contando com casa cheia.

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